D. Raymunda Luzia da Conceição 112 anos

Uma Vida de Experiências e Superação aos 112 anos

No bairro Guarani vive uma mulher notável, que chama a atenção pela idade e história de vida. Em agosto deste ano, ela celebrou mais um marco impressionante.

“Raymunda Luzia da Conceição, moradora do bairro Guarani, compartilha suas experiências de vida aos 112 anos, revelando sua serenidade e sabedoria. Uma mulher que enfrentou desafios, criou uma família e celebra mais um ano de vida repleto de superação e trabalho árduo.”

“Ultimamente, tenho sentido pouco calor ou frio, e também tenho comido pouco. Quase não sinto fome…” Essas são as primeiras palavras de Raymunda Luzia da Conceição, natural de Carangola (MG), uma belo-horizontina de coração.

Ao olhar para ela, já se percebe sua calma e ternura. Apoiada em sua bengala, ela se acomoda em uma poltrona do sofá, cuidadosamente preparada com várias almofadas para garantir seu conforto. É assim que começa nossa conversa com essa senhora centenária, uma ilustre moradora da nossa região. Dona Raymunda, mãe de nove filhos e casada aos 17 anos com um jovem da mesma idade, nasceu em 1911, na primeira década do século XX. Recentemente, ela celebrou mais um ano de vida, acumulando 112 anos de histórias de superação, resiliência e trabalho árduo.

Nascida em uma época marcada por desafios e limitações, Dona Raymunda trilhou um caminho repleto de experiências únicas e superações. “Nunca tive tempo para aproveitar a vida. Quando ia para o trabalho de manhã cedo, o céu estava coberto de orvalho, e quando voltava à noite com uma ‘trouxa’ de roupas na cabeça, já era noite. Não tinha tempo para mais nada, apenas trabalhava. Foi assim que criei meus filhos e ajudei a criar minhas irmãs, sobrinhos, netos e netas”, disse ela.

Em Carangola, na Zona da Mata mineira, d. Raymunda viveu apenas o seu primeiro ano de vida antes de se mudar para Alvarenga, no Vale do Rio Doce. Lá, junto com seu marido, Antônio Augusto da Silva, eles fabricavam artesanalmente chapéus de lebre, couro e lã.

RITMO ACELERADO

Após se mudarem para Belo Horizonte em uma data que dona Raymunda não consegue precisar – “aqui tinha bonde, e o ritmo era acelerado”, disse ao se lembrar da capital do século passado – ela trabalhou como lavadeira em casas de famílias, além de lavar roupas em sua própria casa. Essa época foi difícil, pois ela precisava carregar as trouxas de roupas na cabeça e dependia do transporte público – que era escasso. Era ainda mais complicado devolver as roupas limpas e passadas usando o ônibus enquanto carregava as trouxas e as roupas penduradas em cabides.

Dona Raymunda foi lavadeira e passadeira daquelas tradicionais que lavava roupas na mão Foto: @marcossilvabhz

Lembrando-se dos tempos em que a lavagem de roupas envolvia um processo minucioso de fervura, d. Raymunda compartilha suas memórias com orgulho. Ela relembra o esforço físico exigido para garantir que as roupas ficassem impecáveis, mesmo sem os recursos modernos disponíveis hoje.

A fama correu e os serviços de dona Raymunda eram requisitados e recomendados pelas “patroas” devido à qualidade oferecida. Ela seguiu a tradição de ferver as roupas em latas de 20 litros e não utilizava máquina de lavar. Cada peça era esfregada à mão no tanque de lavar roupas.

Apesar dos recursos financeiros limitados, dona Raymunda sempre estendeu a mão para ajudar os familiares e amigos ao longo de mais de um século de vida. A família dela agora está na quinta geração. Embora não haja um registro preciso do número de netos, bisnetos e tataranetos, o registro mais recente mostra 16 netos, 32 bisnetos e 48 tataranetos. Apenas dois filhos de dona Raymunda são vivos: Maria Augusta, com 87 anos, que mora com ela em Belo Horizonte, e Alberto Augusto da Silva, com 77 anos, que mora no Rio de Janeiro.

AVC

Há vinte anos, d. Raymunda sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), felizmente sem deixar sequelas. No entanto, atualmente é perceptível que sua memória falha em alguns momentos, embora isso não a impeça de seguir sua rotina diária de acordar cedo, fazer as refeições e desfrutar do conforto de sua casa ou passear pelo quintal. Segundo relatos de sua neta, a avó tem dificuldade em acompanhar a televisão, pois as imagens são “rápidas demais” para seu olhar e percepção. Ela adora assistir programas sobre natureza e fazendas, mas quando volta o olhar para a tela, a imagem já mudou para outra cena.

SONHO

“E a senhora tem algum sonho, dona Raymunda?” Eu pergunto.

“Meu sonho sempre foi estudar e frequentar uma escola para aprender a escrever, mas tive que ajudar minha mãe, e foi o que fiz. Mas não tenho arrependimentos. Fiz tudo o que quis.”

“Tenho imenso prazer em viver meus 112 anos, ouvindo tudo e sem precisar usar óculos”. Mesmo usando fraldas noturnas há menos de um ano, dona Raymunda se levanta à noite para ir ao banheiro. Sempre observada pela neta Isabel, que se tornou sua guardiã e tradutora. Quando a idosa volta a um assunto do passado, a neta carinhosa a traz de volta e a conversa flui normalmente.

A dica de D. Raymunda para chegar ao 112 anos foi ter paciência. A neta Isabel é quem é a cuidadora Foto: @marcossilvabhz

ASTÚCIA

Dona Raymunda, uma mulher visionária e perspicaz, deixou sua marca ao longo da vida. Sua neta Isabel compartilhou uma história fascinante: “Minha avó costumava recolher jornais das casas em que trabalhava e os vendia aos moradores locais. Com sua balança, ela media e pesava cuidadosamente os montes de papel, permitindo que as famílias cobrissem as manchas de terra nas ruas sem asfalto. Naquela época, nas décadas de 1980 e 1990, o piso predominante era o ‘vermelhão’, feito de cimento queimado”.

TOLERÂNCIA

“A convivência com os vizinhos depende de tolerância, esse é o segredo: aceitar as diferenças, porque a vida está cheia de mais e mais…”, finaliza a ilustre mineira, que certamente com sua sabedoria e longevidade consegue exprimir o segredo da vida.

Perguntada sobre seu segredo para atingir os 112 anos, d. Raymunda responde que “é preciso ter paciência, pois ela é fundamental”. Ao longo de sua vida, ela tem enfrentado diversas adversidades com calma e perseverança. Sua trajetória está entrelaçada com grandes eventos mundiais e brasileiros, sendo testemunha de momentos de superação. A vida de d. Raymunda é uma prova viva de como a história influencia a vida das pessoas e como elas podem continuar inspiradoras para as gerações futuras.

APRENDIZADO

Dona Raymunda Luzia da Conceição é um tesouro vivo em nossa comunidade. Sua história nos lembra que a idade é apenas um número e que a vida é uma jornada repleta de aprendizados e oportunidades de crescimento. Que sua história continue a inspirar e iluminar os corações daqueles que têm o privilégio de conhecê-la.

A gente se despede, e eu aproveito para pedir a sua benção e ele me diz “volte sempre!”

 

TESTEMUNHA

  • Ao completar impressionantes 112 anos de vida, Dona Raymunda se torna uma testemunha viva dos momentos históricos que moldaram o mundo em que vivemos. Desde as grandes guerras até os avanços científicos e tecnológicos, ela viu a humanidade superar desafios e alcançar feitos extraordinários. Como mulher, enfrentou batalhas por igualdade e empoderamento, testemunhando a evolução dos direitos femininos ao longo do tempo. Sua mensagem é de perseverança, resiliência e gratidão por uma vida repleta de histórias e lições que ela espera compartilhar com as gerações futuras.

 

LONGEVIDADE

  • Atualmente, a freira gaúcha de São Francisco de Assis, Inah Canabarro Lucas, é a pessoa mais velha do Brasil, da América Latina e a 5ª pessoa mais velha do mundo. Já a mineira de Carangola, Maria Gomes Valentim, foi a pessoa viva mais idosa do mundo antes de sua morte aos 115 anos. Ela também recebeu o título de Decano da Humanidade. Agora, Dona Morera, de 115 anos e 321 dias, foi anunciada como a mulher viva mais idosa do mundo pelo Livro dos Recordes.

 

IDOSO E FEMININO

  • Minas Gerais, um dos estados mais populosos do Brasil, está passando por mudanças demográficas significativas, conforme os dados divulgados pelo IBGE. O envelhecimento da população e o aumento da proporção de mulheres são os principais destaques. Entre 2010 e 2022, a proporção de idosos em relação a crianças quase dobrou, alcançando o maior índice desde 1980. Isso significa que, atualmente, para cada 100 crianças, existem 68,6 idosos no estado, um número superior à média nacional. Além disso, a razão de sexo também está em crescimento, com mais mulheres do que homens em Minas Gerais. Em 2022, a proporção era de 95,2 homens para cada 100 mulheres. Esses dados refletem uma tendência observada desde 1980. Com isso, a população adulta atingiu seu maior patamar em décadas. As crianças representam 18,1% da população total, enquanto os adultos de 15 a 64 anos são a faixa etária predominante, com 69,6%, e os idosos acima de 65 anos compõem 12,4% da população. Essas mudanças demográficas têm implicações importantes para diversos setores da sociedade mineira e exigem políticas públicas adequadas para lidar com os desafios e oportunidades que surgem com essa nova realidade.

 

Reportagem: Raquel Santiago

Fotos: Marcos Silva

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