Área histórica da capital mineira, berço do antigo Sanatório Modelo, enfrenta descarte irregular de lixo, invasões e ameaça a nascentes que abastecem o Ribeirão do Onça e o Rio das Velhas
O que já foi um recanto de saúde e natureza hoje é um símbolo do abandono e da degradação ambiental em Belo Horizonte. A “Mata dos Werneck”, remanescente da Mata da Isidora na Região Norte da capital, enfrenta um processo acelerado de destruição. O local, que abriga o antigo Sanatório Modelo — criado na década de 1920 pelo médico Hugo Werneck para tratar pacientes com tuberculose — sofre com ocupações irregulares, descarte de lixo, entulho, abandono de animais e até relatos de desova de cadáveres.
A situação será tema de uma audiência pública na próxima segunda-feira (5/5), às 13h30, no Plenário Helvécio Arantes da Câmara Municipal de Belo Horizonte. A reunião, convocada pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, foi requerida pelo vereador Osvaldo Lopes (Republicanos). O parlamentar alerta para os riscos sanitários, ambientais e sociais da degradação da chamada “Estrada do Sanatório”, que liga a região urbana ao interior da mata.
“O cenário representa risco à saúde pública, insegurança para os moradores e um grave retrocesso ambiental, contrariando os princípios da dignidade animal e do direito à cidade sustentável”, afirma Lopes ao portal da CMBH. A audiência será aberta ao público e transmitida ao vivo pelo portal da CMBH e pelo canal da Câmara no YouTube.
História e descaso

A Mata Werneck faz parte da histórica Região da Isidora, uma vasta área verde na divisa entre Belo Horizonte e Santa Luzia, considerada um dos últimos grandes fragmentos de mata atlântica urbana do país, no limite do bairro Solimões com a Mata. Na década de 1920, o médico sanitarista Hugo Werneck fundou no local o Sanatório Modelo, com cerca de 8 mil m², em meio ao verde, buscando um ambiente salubre para o tratamento da tuberculose, doença sem cura à época.
Com o tempo, o prédio passou a abrigar um asilo de idosos e, atualmente, sedia a Casa de Francisco – Providens, mantida pela Arquidiocese de Belo Horizonte. A iniciativa oferece oficinas de educação ambiental, trilhas ecológicas e atividades voltadas à preservação das nascentes e da biodiversidade local. No entanto, a falta de fiscalização e infraestrutura tem dificultado a atuação da entidade.
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Vetor Norte: desenvolvimento e contradições
Com a construção da Cidade Administrativa no início dos anos 2010, o Vetor Norte tornou-se o novo eldorado do setor imobiliário em Belo Horizonte. A gestão do então prefeito Marcio Lacerda chegou a planejar a criação da 10ª Regional da capital na área da Mata Werneck. No local seria construído um condomínio em um projeto denominado de Operação Urbana do Isidoro, que envolvia financiamento do “Minha Casa e Minha Vida”. Em 2014 foi realizado Audiência Pública para atender os requisitos da Licença Previa Ambiental do COPAM. Contudo, o que se vê é atualmente o avanço da urbanização sem controle, com impactos severos ao meio ambiente.
A ausência de políticas públicas efetivas permitiu a expansão de ocupações irregulares e o assoreamento de nascentes que alimentam o Ribeirão Isidora — afluente do Ribeirão do Onça, que, por sua vez, deságua no Rio das Velhas. Esse ciclo de degradação compromete não somente o ecossistema local, mas também o abastecimento e a qualidade da água de toda a bacia hidrográfica.
Lixo, insegurança e abandono
A “Estrada do Sanatório”, que deveria ser um acesso ecológico e cultural à Mata Werneck, hoje é usada como ponto de descarte de lixo doméstico, restos de obras, entulho e animais mortos. Segundo relatos, o local também serve como rota de fuga e desova de vítimas de execução, aumentando a sensação de insegurança entre moradores e trabalhadores da região.
“O abandono do poder público é visível. Falta iluminação, limpeza, patrulhamento, manutenção viária. Isso alimenta o medo e a violência. Queremos reunir o poder público, especialistas e a comunidade para buscar soluções práticas e imediatas”, defende Osvaldo Lopes.
Esperança e mobilização
Para a audiência, foram convidados representantes das secretarias municipais de Governo, Meio Ambiente, Política Urbana, Saúde e Obras e Infraestrutura, além da Superintendência de Limpeza Urbana, Guarda Municipal, Controle de Zoonoses da Regional Norte e a própria Arquidiocese de Belo Horizonte. A expectativa é que o encontro ajude a tirar do papel propostas de revitalização e proteção efetiva da região.
Enquanto isso, iniciativas como a da Casa de Francisco resistem com ações de educação ambiental e engajamento comunitário. Mas a luta é desigual. Sem apoio, fiscalização e investimento, a Mata Werneck corre o risco de desaparecer — junto com parte da história e da biodiversidade de Belo Horizonte.