ELE NÃO ESTÁ (MAIS) ENTRE NÓS…

A morte do Padre Pigi em 23/01 deixou muitos moradores do Conjunto Felicidade tristes, e trouxe à tona a história do maior pioneiro do projeto habitacional de interesse social. O Conjunto Felicidade foi criado por um visionário com espírito de empreendedor social. Padre Pigi deu a oportunidade de diversas famílias saírem do aluguel ou de morarem de favor ao implantar o projeto de moradia popular. Para João Carvalho que participou da criação do Conjunto Felicidade, o padre plantou a semente de fé e esperança e será lembrado eternamente.

O Padre dos sem casa faleceu

Reportagem: Marcos Silva – redacao2@comunidadeemacao.com.br

Aos 81 anos, no dia 23/01, faleceu o Padre Pigi. A sua morte trouxe à tona a sua história e trajetória, dos mais 50 anos de ordenação sacerdotal de um líder do movimento popular que lutou pelo direito universal à moradia dos sem casa. Padre Pigi estava recluso no Convivium Emaús que é lar dos sacerdotes da maturidade e recebia cuidados por esta debilitado vitimado por câncer de próstata.

Em nota divulgada no site da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Walmor reverenciou a história de vida do sacerdote junto dos mais pobres: “Nosso amado padre Pigi era aguerrido defensor dos excluídos, especialmente dos que são desrespeitados no direito fundamental à habitação. A sua vida simples, a sua coragem evangélica, a sua fidelidade aos ensinamentos de Jesus são marcas inapagáveis, lições para cada pessoa. Um sacerdote dos pobres, respeitado e admirado por todos. Um homem de Deus, de fé exemplar, deixando como herança lições de inabalável confiança em Deus, vida dedicada à missão, fora de sua pátria, fazendo de nós seu povo, sua família, seu chão. Repouse em paz, amado padre Pigi. A Igreja e os que buscam o direito à moradia digna ganham, no céu, um intercessor. A amada Mãe Maria, Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Minas Gerais, receba padre Pigi. O Bom Deus o acolha em sua infinita misericórdia”.

Nas redes sociais foram inúmeras as manifestações de pesar pelo falecimento, muitas destacavam a sua opção e dedicação aos mais pobres e ressaltando a sua luta por aqueles que não tinha um teto ou “pedaço de terra”.

O padre dos pobres

Pier Luigi Bernareggi (Padre Pigi) era filho do casal Carlo Bernareggi e Giovanna Bernareggi Spinelli, nasceu em Milão, Itália, em 6 de junho de 1939. Ele era doutor em Filosofia pela Universidade católica Del Sacro Cuore, em Milão, e teólogo pela Universidade Católica de Minas Gerais. Passou a integrar a Arquidiocese de Belo Horizonte em janeiro de 1964, sendo ordenado presbítero em 17 de dezembro de 1967.

Integrar a Arquidiocese janeiro de 1964, e foi ordenado presbítero em dezembro de 1967 – foto: site da Arquidiocese

Foi professor da PUC Minas, Vigário Paroquial da Paróquia N.S da Glória, no Eldorado, e Vigário Cooperador da Paróquia Santo Antônio em Belo Horizonte. Pároco da Paróquia de Todos os Santos, no bairro Providência e Vigário Episcopal da Região Pastoral Norte. No exercício do ministério sacerdotal lutou em defesa dos mais necessitados. Participou ativamente da criação do Programa Municipal de Regularização de Favela (Profavela), promulgado em janeiro de 1983, sendo o seu primeiro coordenador. Foi um dos criadores da Central Metropolitana dos Sem Casa (CEMCASA) e do projeto do Bairro Metropolitano em Ribeirão das Neves, sendo decisivo para que cerca de 20 mil pessoas tivessem um lar. Atuou na Pastoral de Vilas e Favelas da Arquidiocese de Belo Horizonte, dedicando-se para efetivar um Plano Metropolitano de Habitação Popular.

 

Conjunto Felicidade

Definir o que é história do Padre Pigi e o que é a do Conjunto Felicidade é difícil, pois é quase impossível desassociá-lo dos movimentos por moradia de interesses sociais. No Brasil, desde 1964, o Padre abraçou a causa das pessoas que não tinham moradia, viviam de favor ou pagavam aluguel. Participando ativamente dos assentamentos dos sem teto, o empenho que lhe rendeu prisões, ameaças de morte e muitos desafetos.

O conjunto Felicidade foi o primeiro idealizado e criado pelo Padre Pigi, por meio da mobilização dos moradores que faziam parte da Pastoral dos Sem Casas. Para formalizar fundaram Associação dos Moradores de Aluguel de Belo Horizonte.- Amabel, e por este motivo o Felicidade ficou conhecido como “MABEL”.

O terreno que transformado no Conjunto Felicidade era uma fazenda e foi conseguido pelo Padre Pigi por conta da sua militância em prol dos sem casa. A Prefeitura desapropriou e transferiu para os moradores. O Padre era contra o assistencialismo e sempre defendeu que os moradores tinham que pagar pela moradia de forma parcelada além de construir a própria casa.

No projeto além das moradias foi pensado áreas de interesse social como: posto de saúde, escola, áreas de lazer e os centros comerciais que deveriam ser explorados em forma de cooperativa, mas nem tudo deu certo como planejado.

Fátima Morais, que trabalha na mobilização social da Paróquia São Francisco Xavier disse que: “O padre Pigi foi tudo para mim, ele criou o núcleo dos moradores e conseguiu o que ninguém conseguiu. Era difícil de acreditar. Caminhamos juntos pela fé em Deus e acreditamos nele (padre Pigi) e ganhamos nossa terra”. Para ela que mora no conjunto desde a sua construção é difícil imaginar o futuro do Felicidade sem a participação do Padre Pigi.

Outra liderança social que acompanhou o Padre Pigi, durante um período, foi Paulinho Aleluia. “Em 2011 participei das reuniões no Novo Arão Reis de coordenadores dos sem casas, onde ele mesmo diagnosticado com câncer continuou militância em favor dos menos favorecidos na luta por moradia. Eu o defino como um justo que lutou pelo bem-estar do próximo. Ele não queria só moradia, mas moradia com qualidade, ele chamava o apartamento do governo de “apertamentos” por isso a ideologia dele era casas independentes para todos. Padre Pigi é um exemplo a ser seguido, um super-herói”.

Joel Lucas que durante anos militou no movimento dos sem casa na Região Norte tem no padre Pigi um exemplo de

Para o Joela Lucas (d) o Padre Piggi (c) “é o maior exemplo cristão para Igreja Católica, este deixa uma marca de fé cristã no movimento social e no movimento de moradia” – foto: Internet /Arquivo Pessoal

liderança. “O padre Pigi foi meu mestre no movimento popular e no mundo cristão, me faz lembrar de 1978, quando cheguei da minha cidade natal, Itanhomi, quando começamos a ocupação, não vamos chamar de invasão, da chamada de Vila União no bairro Primeiro de Maio. Na margem da Rua Benedito Xavier construímos juntos a primeira comunidade, ali edificamos mais de 800 moradias com aquele povo, foi à primeira investida juntos, construímos um barracão de maderiti, um barracão laranjado, em setembro de 1978”, relata Joel. Acrescentando que liderou junto com o padre Pigi as famílias em ocupações naquele local.

No barracão Joel fez um curso de ministro da eucaristia, uma vez que já trabalhava na “eclesial de base da Igreja Católica em Caratinga” e foi orientado por Pigi para fazer trabalho social voltado para moradia para os mais pobres. Joel conta que junto com Padre levaram para Vila Maria os moradores retirados da beira do Arrudas, onde celebravam missas e o Padre Pigi era o pároco. Outras invasões foram realizadas na coordenação do sacerdote tanto em Belo Horizonte como a Região Metropolitana.

Joel Lucas conta que a primeira rua e a primeira casa do Felicidade foram demarcadas pelo Padre Pigi. O material de construção foi doado com recursos do Governo Federal liberado pelo ministro Anibal Teixeira. O Felicidade foi referência para outros conjuntos como: Paulo VI, Capitão Eduardo, Taquaril, Vila Pinho, que teve na coordenação o Padre Pigi.

Ele liderou o movimento Pró-Favela que foi regulamentada na lei 3582/83, conta Joel Lucas, classificando como o maior interlocutor do movimento dos sem casas. Destes movimentos surgiram outros como Famob, UTP, Amabel, muitas destas entidades envolvidas por siglas partidárias. “Padre Pigi é o maior exemplo cristão para Igreja Católica, este deixa uma marca da fé cristã no movimento social, e no movimento de moradia”, conclui Joel Lucas, falando do exemplo que ele seguiu e aprendeu, pois além de líder do movimento o padre era conselheiro das famílias.

Terra prometida

Outro depoimento carregado de emoção e rico de detalhes é do João Carvalho de 66 anos, morador do Felicidade. Ele fez parte dos conselheiros dos mutirões que padre Pigi organizou na implantação do conjunto. João trabalhava na construção civil e

por isso foi escolhido pelo Padre dar orientação aos moradores na construção das suas moradias. Cada morador recebeu material para construir dois cômodos e um banheiro no sistema de autogestão. Tudo era fiscalizado pela Comissão e o morador tinha prazo para concluir a obra, caso não cumprisse perdia o direito da casa que era transferido para outro morador que estava na lista de espera. “O padre Pigi era muito rigoroso com as normas, quantas vezes vimos pessoas trabalhando a noite com a luz de uma fogueira para cumprir o prazo e não perder a casa” conta João Carvalho.

“O Padre será lembrado pela eternidade, ele era muito humano” diz João Carvalho – foto: Marcos Silva / JCA

 

 

Desta forma muitos moradores que não tinha uma profissão definida tornaram pedreiros e ajudaram construindo outras casas. Outras realizações do bairro foram conseguidas por meio de mutirões, como a construção dos equipamentos sociais.

Carvalho entrou para o voluntariado social por causa do movimento sem casa, a partir do idealismo do Padre Pigi, principalmente por defesa de políticas públicas de habitação. Coincidiu na época com o momento da elaboração da Constituição do país promulgada em 1988. O Padre trabalhava durante a elaboração das propostas para incluir a habitação como política pública e alguns dos militantes passavam para sociedade informações dos políticos que tinha as melhores propostas.

“Era uma benção participar das ideias dele, ele era uma pessoa iluminada, um ser iluminado”, assim Carvalho define o Padre Pigi, que tinha a preocupação de transformar e desenvolver as pessoas a partir das moradias dignas. João passou por isto, ele morava de aluguel na Vila Biquinhas na Região Norte e quando o projeto do Conjunto foi apresentado pareciam que estavam diante da terra prometida, como na história de Moisés, o personagem bíblico, que inspirou o nome de Felicidade para o conjunto. “Ele estava à frente do seu tempo” explica Carvalho, que admirava o padre pela defesa dos menos favorecidos.

 

O Padre Piggi em audiência com Papa Francisco – foto: site da Arquidiocese

No movimento não tinha participação política partidária, e Padre Pigi dizia que o político abraçasse a causa dos sem tetos era bem-vindos, ele dava liberdade e autonomia aos participantes, e afirmava que era responsabilidade dos governantes resolver as questões de moradia do povo. João Carvalho lamentou a morte e disse que o “Padre será lembrado pela eternidade, ele era muito humano” afirmando que o Padre Pigi plantou uma semente de fé e ensinou ter esperança.