Pessoa em depressão

DEPRESSÃO E ANSIEDADE

O preconceito é determinante no ato de autoquíria

Pessoa em depressão
No Brasil todos os anos cerca de doze mil pessoas cometem autoquíria (suicídio) | Foto: Marcelo Camargo – Agência Brasil

O ato de autoquíria de um comerciante da Região Norte, que atuava no setor de alimentação há aproximadamente 30 anos, chama a atenção para a doença. No Brasil todos os anos cerca de doze mil pessoas cometem autoquíria (suicídio). De acordo com a ABP, cerca de 96,8% dos casos estavam relacionados a transtornos mentais. Os números da Organização Mundial da Saúde (OMS) informa que cerca de 800 mil/ano cometem o ato. Com a pandemia da Covid-19 potencializaram os casos.

Os Centros de Saúde – SUS, é à porta para o encaminhamento para os primeiros sinais de alertas para uma intervenção imediata pela Coordenação de Saúde Mental.

O fato

Reportagem: Marcos Silva* | redacao2@comunidadeemacao.com.br

O ato de autoquíria de um comerciante da Região Norte, que atuava no setor de alimentação há aproximadamente 30 anos na região, levou inúmeras pessoas, entre clientes e amigos, a manifestarem em grupos de redes sociais seus votos de pesar e condolências para a família e funcionários do finado. Vários clientes registraram no grupo de Facebook do bairro onde se localiza o comércio do empresário sobre como o comerciante era prestativo, alegre e bem sucedido sendo referencia na região pelo seu trabalho.

O Jornal COMUNIDADE EM AÇÃO decidiu não expor a família e por esse motivo não informará o nome do comerciante que praticou à autoquíria (suicídio). Com base nos depoimentos de alguns comerciantes próximos e relatos colhidos nas redes sociais pode-se sugerir que o motivo do óbito foi o quadro de depressão em que o comerciante se encontrava, fato que foi confirmado por membro da família.

Queremos alertar com esta reportagem que o fim do preconceito com doenças psicológicas como a depressão é fundamental para a prevenção da autoquíria. A afirmação é da coordenadora-geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Dilma Alves Teodoro, em entrevista à Agência Brasil.

“O preconceito faz as pessoas não buscarem ajuda. Muitas vezes elas escondem a doença porque o amigo ou familiar vai interpretá-las como uma pessoa que é fraca, que deveria reagir, quando, na verdade, ela está adoecida”, disse Dilma.

Segundo Dilma, ao diminuir o preconceito com essas doenças e o tabu sobre o assunto, pessoas que estão passando por algum sofrimento se sentirão mais à vontade para procurar ajuda profissional e ter um diagnóstico adequado, prevenindo possíveis tentativas de autoquíria. Seja por razões religiosas, morais ou culturais, ainda há medo e vergonha em falar abertamente sobre o tema, que é um problema de saúde pública.

Depressão
O preconceito inibi as pessoas não buscar ajuda para não ser julgada como fraca levando ao isolamento | foto: canva.com

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza a campanha Setembro Amarelo, que marca também o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No Brasil todos os anos cerca de doze mil atos de autoquíria são registrados. De acordo com a ABP, cerca de 96,8% dos casos estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que cerca 800 mil pessoas tiram a própria vida anualmente e um número superior de indivíduos tenta o autoextermínio. Cada ato deste é uma tragédia que afeta famílias, comunidade e países com efeitos duradouros sobre as pessoas que ficam para trás.

Problema de Saúde Pública

Independe de classe social e faixa etária o alto número de autoquíria é um fenômeno mundial grave de saúde pública. Para efetiva prevenção necessita de uma ampla estratégia multissetorial.

A diretora do Instituo Bia Dote, Lucinaura Diógenes, de Fortaleza, sentiu na pele esse preconceito com a morte de sua filha Beatriz em 2008. “Há respostas que o suicídio (autoquíria) não traz. Foi muito impactante e mais impactante foi o que veio pós-suicídio. Depois, veio a questão do julgamento, os preconceitos, de as pessoas tratarem o suicídio como falta de Deus, e a família começar a se culpar. E, nesse processo todo, percebemos que outras pessoas no nosso entorno tinham passado por situação de suicídio e ninguém sabia porque elas silenciavam”, disse.

Após a criação do instituto, Lucinaura concluiu a graduação em psicologia e, com a equipe do Bia Dote, desenvolve projetos com diversos públicos, todos gratuitos, como atendimento psicoterápico, palestras em escolas, escuta especializada, intervenções urbanas e apoio e orientação para famílias enlutadas e de pessoas que fizeram tentativa de autoquíria. O objetivo é sempre apontar os fatores de risco do autoextermínio, de proteção à saúde mental e sensibilizar as pessoas para minimizar os estigmas sobre esses temas, de forma adequada e respeitosa.

“Quando você tem um problema e não fala é como se ele não existisse. Então, trazer luz a esse problema pode te mostrar como é que ele pode ser minimizado. O homem, por natureza, não é suicida, o normal dos ser humano é que ele se proteja. O que faz ele ter a ideação suicida é exatamente por estar em uma situação em que o sofrimento transborda e ele não encontra recursos para sair dessa situação. E, às vezes, com o outro, com ajuda especializada, ele consegue encontrar esses recursos”, explicou Lucinaura.

O Instituto Bia Dote foi criado em 2013 como uma forma de ressignificar a morte de Beatriz e, segundo Lucinaura, para ajudar outras pessoas e outras famílias com prevenção e posvenção ao suicídio e na atenção à saúde mental.

Sinais de alerta

A coordenadora do Ministério da Saúde explica que o suicídio pode ser prevenido e que há sinais que as famílias, os amigos e professores podem perceber, como o isolamento, desinteresse pelas atividades que gostava, irritabilidade, falta de autocuidado, músicas e publicações mais tristes nas redes sociais e discursos que “a vida está mais difícil”. “São sinais que devem ser observados pela família, porque esse momento é de intervir, de chegar perto e conversar sobre o assunto, orientar para que a pessoa busque uma ajuda e se oferecer para acompanhar”, disse Dilma.

Para Lucinaura, esse tipo de informação é essencial para prevenção e acrescenta que a abertura ao diálogo deve ser feita sem julgamentos. “A partir da morte de Bia é que tivemos contato com o fenômeno suicídio. Não era um tema próximo, não era previsto essa questão de dar sinais, não sabíamos que existiam esses sinais. E, hoje, não percebo que Bia tivesse dado sinais tão evidentes. Se eu tivesse essa informação na época, talvez tivesse percebido”, destacou.

Dilma explica que o fator de maior risco para autoquíria é um transtorno mental, mas que há agravantes. Segundo ela, os dados sobre mortes por autoquíria vêm se mantendo estáveis ao longo dos últimos anos, com maior incidência na população jovem, de 15 a 29 anos, e nos idosos.

No caso dos jovens, ela explica que o risco pode ser potencializado pelo uso de álcool e drogas, e nos mais idosos, por questões como perdas de familiares, doenças crônicas e maior responsabilidade no provimento da família. O estresse causado pela pandemia da Covid-19 também pode ser fator de risco para pessoas que já têm algum transtorno ou funcionar como gatilho para o aparecimento.

“Se considerar o momento que estamos vivendo, não só a saúde pública, mas questões econômicas e sociais também tem um peso significativo. Os dados mostram que países em situações de crise grave, de calamidade, tem um risco aumentado de tentativas de suicídio”, .

Onde buscar ajuda

Pessoa no celular
O estresse causado pela pandemia da Covi-19 também pode ser fator de risco para pessoas que já tem algum transtorno ou funcionar como gatilho para autoquíria | Foto: canva.com

O Ministério da Saúde também entende o suicídio como uma emergência médica, que precisa de uma intervenção imediata. A orientação é que se busque o serviço de urgência e emergência para um primeiro atendimento e encaminhamento para profissional especializado. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – 192 (SAMU) possui equipes de saúde mental.

Em Belo Horizonte os Centros de Saúde são a porta de entrada do SUS para o acolhimento inicial pela Coordenação de Saúde Mental. Há uma Unidade de Acolhimento Adulto e uma Unidade de Acolhimento Infantil. Os encaminhamentos a essas unidades são realizados exclusivamente pelos CERSAM.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) também realiza apoio emocional e de prevenção da autoquíria, e atende todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, chat ou e-mail 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação para o CVV por meio do número 188 é gratuita de qualquer telefone fixo ou celular.

O Instituto Vita Alere de Prevenção e Pós-venção ao Suicídio, com apoio do Google, lançou no ano passado o Mapa da Saúde Mental, um guia de ajuda e lista de serviços públicos disponíveis no Brasil com serviços de acolhimento e atendimento gratuitos ou voluntários realizados por organizações não governamentais, instituições filantrópicas, clínicas escola, entre outros.

Para Lucinaura Diógenes, a questão precisa ser tratada de forma mais ampla por outros setores da sociedade e outras ciências além da saúde, como sociais, econômicas e teológicas. “Precisamos mudar o olhar sobre essa questão para que possa reverberar em uma mudança de paradigmas. Cada pessoa precisa assumir esse papel de agente de transformação, porque não é um papel só da ciência, só das pessoas que trabalham com a saúde mental, é um papel da sociedade”, afirmou a psicóloga.

*Reportagem com o conteúdo da Agência Brasil